Terra de Sonhos (In América)
Irlanda - 2002


"Terra de Sonhos", novo filme do diretor Jim Sheridan, é mais uma história sobre a busca de uma vida melhor nos Estados Unidos. Johnny (Paddy Considine) e Sarah (Samantha Morton) são um casal de jovens irlandeses que resolvem se mudar para Nova York, não só para conseguir novas oportunidades, mas também para fugir de uma tragédia familiar nunca superada por ambos. A cena inicial torna evidente o trauma: passa-se na fronteira, um automóvel com marido e mulher, mais duas crianças, cruzando o limite entre Canadá e Estados Unidos. O policial pergunta quantos filhos o casal tem. Johnny responde que são três. A mãe, Sarah, corrige: são apenas duas. O ato falho de Johnny se justifica: há entre eles a sombra de uma criança morta. E onde há criança morta, há culpa, motivada ou não.

A Nova York registrada por Sheridan está de acordo com esse estado de espírito e fica distante do cartão-postal. A família vai morar num prédio caindo aos pedaços, onde o elevador não funciona, as escadas rangem sob os pés e a vizinhança é mais do que suspeita. Neste ambiente estranho e amedrontador, eles tentam curar as feridas da perda do filho caçula, recomeçar a vida e encontrar harmonia e felicidade para transformar o local num verdadeiro lar. Enquanto os adultos acham o lugar cheio de perigos e desafios, para as meninas tudo é mágico, bem diferente do passado angustiante que queriam esquecer.

Uma produção autobiográfica

O roteiro, escrito pelo diretor com ajuda de suas duas filhas, Naomi e Kirsten, é baseado nas experiências que a própria família viveu na época em que chegou à América. O trio afirma que recriou seqüências inteiras a partir de suas lembranças. Samantha Morton ("Minority Report"), indicada ao Oscar de melhor atriz pelo filme, considera o roteiro realista, por retratar situações comuns na vida real. "Gosto dele porque fala de temas como mortalidade, fé, sobrevivência e amor, coisas que experimentamos na vida. E também porque é leve. Um filme que faz rir e chorar" - disse, à época do lançamento. A complexidade do enigmático personagem Mateo deu trabalho a Djimon Honsou ("Amistad"). O sacrifício lhe rendeu ao uma indicação ao Oscar, na categoria de melhor ator coadjuvante. Além das duas indicações aos atores, "Terra de Sonhos" concorreu ao prêmio de melhor roteiro original.

O filme, porém, pertence à pequena Emma Bolger. Como a filha mais nova, Ariel, ela se sobressai sempre que está em cena, pois é a única personagem que ainda consegue ver a realidade com os olhos inocentes e otimistas de uma criança. Sua irmã, Christy (Sarah Bolger), foi obrigada a amadurecer mais cedo para ajudar a família a enfrentar situações adversas. O fato de Ariel e Christy serem irmãs na vida real fez com que a interação entre as duas fosse muito mais espontânea e realista.

Tragédias amenizadas por um olhar infantil

Ao ser retratada pelos olhos da filha mais velha do casal, que não aparenta ter mais de 12 anos, a trama se enriquece. A partir de suas crenças e desejos, o espectador fica livre de todo um arsenal dramático, comum nesse tipo de produção. Embora não deixe de ser uma saída um tanto arriscada - podendo cair facilmente em uma infinidade de clichês -, o resultado é livre de exageros. Mesmo quando a família conhece o vizinho artista plástico, Mateo (Djimon Hounsou), soropositivo em fase terminal, o fato se dá de forma mais lúdica do que propriamente dramática, talvez para mostrar que a menina não saiba direito o que está acontecendo.

Apesar da história batida e do final sem surpresas, a produção tem cenas marcantes, como a visita da família ao parque de diversões. A ânsia dos pais em tentar agradar as filhas é comovente e, ao mesmo tempo, angustiante. O filme pode ser visto como uma bela história de superação dos problemas da vida. Sheridan foge um pouco do lugar-comum ao mostrar que os dramas pessoais dos personagens não dependem necessariamente do lugar onde são vividos.

Uma das primeiras produções filmadas em Nova York depois do 11 de setembro, "Terra de Sonhos" é também uma história sobre a Big Apple cheia de amor e esperança, com fotografia do premiado Declan Quinn, de "Despedida em Las Vegas". Apesar de não se tratar de uma das melhores obras do diretor Jim Sheridan, responsável pelos excelentes "Meu Pé Esquerdo" (1989) e "Em Nome do Pai" (1993), o filme não deixa de ser um belo presente para quem gosta de dramas cotidianos.

O filme possui um roteiro bem escrito, atuações belíssimas e é repleto de elementos comoventes e divertidos, mas que em momento algum correm o risco de despencar para o sentimentalismo.

Esse tipo de malabarismo emocional exige calibragem perfeita, e Sheridan e seu elenco excepcional dão conta do recado.

Johnny (Paddy Considine), um ator desempregado, deixa a Irlanda para trás e chega a Nova York através da fronteira canadense, numa van caindo aos pedaços. Ele leva junto sua mulher, Sarah (Samantha Morton), e suas duas filhas pequenas, Christy e Ariel (Sarah e Emma Bolger, irmãs na vida real).

A esperança deles é que também tenham deixado para trás a dor pela morte de seu filho, que morreu vítima de um tumor cerebral.

Virtualmente sem um centavo no bolso, a família, que está nos Estados Unidos ilegalmente, vai morar num edifício decadente que não ficaria deslocado num filme de terror gótico, habitado por um grupo assustador de viciados em drogas, vagabundos e moradores pura e simplesmente malucos.

Outro residente do prédio é um artista atormentado (Djimon Hounsou) que acaba mostrando não ser tão temível quanto aparenta. Ele acaba por fazer amizade com as duas filhas de Johnny.

Mas Sarah e, mais ainda, Johnny, ainda não conseguiram aceitar a morte do filho. Ele começa a ter dificuldades nos testes para trabalhos de ator, sem falar nos problemas em comunicar-se com sua própria família.

Inspirado nos incidentes que cercaram a chegada de sua própria família em Nova York, o roteiro, escrito por Sheridan e suas duas filhas, é repleto de detalhes profundamente convincentes que não poderiam ter sido inventados.

Conhecido por ser um "diretor de atores", Sheridan reuniu um elenco de primeira linha para fazer os papéis de seus alter egos.

O simpático Paddy Considine (A Festa Nunca Termina, A Room for Romeo Brass) e a sempre notável Samantha Morton (indicada ao Oscar 2004 de melhor atriz) fazem um casal convincente formado por duas pessoas que querem curar sua dor emocional.

Nos papéis de suas filhas, Sarah e Emmy Bolger, de 11 e 7 anos, demonstram um tipo de sensibilidade e naturalidade que é raro em atores ou atrizes mirins.

Completa o conjunto Djimon Hounsou (Gladiador, Amistad), no papel do vizinho da família, também indicado ao Oscar 2004 (ator coadjuvante).

Nova York tampouco se sai mal no filme, graças ao trabalho de câmera do diretor de fotografia Declan Quinn e ao design de produção de Mark Geraghty. Eles conseguem captar a dureza, a sujeira e o dinamismo inconfundível que continuam a fazer da cidade uma atração quase mítica para imigrantes de todo o mundo.